sábado, 7 de julho de 2012

AS NOVE SINFONIAS DE BEETHOVEN

                    BEETHOVEN: O HINO À PAZ

                                                                                                              Tarcísio Brandão de Vilhena

Num gesto sem precedentes, a UNESCO classificou a 9ª Sinfonia», de Beethoven, como Património da Humanidade. Não só porque é uma das maiores composições de todos os tempos, mas também porque, com o seu imortal Hino à Alegria, é um dos mais eloquentes apelos à paz e à fraternidade entre os povos.
Após a queda do Muro de Berlim, tornou-se uma espécie de símbolo da reunificação alemã e do desmantelar da Cortina de Ferro. Desde que foi composta, foi encarada como a tradução musical dos grandes ideais da Revolução Francesa, um apelo à fraternidade entre os povos, sinal do advento de uma religião tolerante e universal. De um modo geral, o último movimento – sobretudo o Hino à Alegria, <O Freunde, nicht Tonel> baseado numa ode do poeta alemão Schiller – tornou-se sinónimo de exortação à paz mundial. De tal modo que, em vários pontos do planeta, se tornou tradição interpretá-la na véspera de Ano Novo, como um voto de paz e prosperidade.

Em tempos de crise global, discórdia generalizada e constantes ameaças de guerra, a UNESCO abriu um precedente, talvez como forma de lembrar ao mundo a beleza e a alegria da harmonia e da paz, classificou a 9a Sinfonia, de Ludwig van Beethoven, como Património da Humanidade.
Foi a primeira composição musical a merecer tal honraria. O que não é de se estranhar numa obra tão original e excepcional. Ao incluir a voz humana num género como a sinfonia, Beethoven o fez pela primeira vez. E quem alguma vez a tenha ouvido, dificilmente esquecerá o grito que ele nos quis legar, no meio das vozes, por vezes, da quase ensurdecedora ode coral à Alegria: "Todos os homens se tornam irmãos, lá onde plana a tua afável asa"!
Um dos maiores génios da música e um dos mais universalmente ouvidos e amados, Beethoven nasceu na cidade alemã de Bonn em 15 de Dezembro de 1770 e viria a falecer na capital austríaca em 26 de Março de 1827. A 9ª Sinfonia, a última que escreveu, foi estreada em 1824, em Viena, com toda a pompa e circunstância. "O próprio compositor a dirigiu, mas embora voltasse as páginas e batesse o compasso, estava completamente defasado em razão da surdez. Ficou destroçado. No fim, tiveram que forçá-lo a ver os aplausos e os gritos de entusiasmo".Tudo na sua grande obra tem a marca da exceção e da excepcionalidade.
Embora tenha sido um projeto acalentado ao longo de praticamente toda a sua vida, só em 1817 surgem os primeiros esboços do primeiro andamento, e apenas em 1822 o tema do Hino à Alegria encontra a sua forma definitiva. Nos seus escritos, Beethoven assim se expressa: Ah! É isto, encontrei-a!.... Alegria!
Em fins de 1823 decide introduzir o coro final, lembra-nos Roland de Candé, "à custa de enormes esforços e de momentos de incerteza e de desencorajamento". Em 1824, Beethoven a da por terminada. O mais notável: ao longo dos sete anos em que compôs uma das "obras-chave" da música de todos os tempos, já estava completamente surdo. Candé nos lembra: "A sinfonia com coro exprime toda a sua recusa de aceitar, a recusa do pessimismo".
Segundo Victor Hugo, a Sinfonia é um "ato de otimismo de tom profético, é uma apoteose da Utopia a verdade do amanhã esta utopia que é o âmago do seu carácter e o fermento das suas maiores obras". A sinfonia, que viria a influenciar não só as obras do género que se lhe seguiram mas também muitas das músicas composta nos séculos XIX e XX. Foi também a superação de um drama interior e uma sobre-humana determinação em o superar os percalços que o envolvia.
Romand Rolland, a propósito do apogeu do primeiro movimento, assim o descreve: "É a aparição de Deus no monte Sinai. No segundo: Na doçura de um paraíso, a aparição de um Jeová, coroado de raios! Na apreciação do movimento final, Rolland diz: "encontra-se já o prenúncio da aura que hoje a envolve: a conjugação perfeita da poesia e da música, o anúncio do reino de Deus sobre a Terra, estabelecido pela fraternidade dos homens, na razão e na alegria".
O 3º movimento, "Adágio molto e cantabile",de rara beleza e, possilvelmente, o mais importante, porque, segundo os estudiosos, ele constitui o cérne da sinfonia, toda a sinfonia é calcada nesse movimento.
A genialidade da música, a sua recusa da derrota e este seu grande hino à vida, que se pode considerar o seu testamento à humanidade, fizeram com que Beethoven, ao contrário do que acontecera com os seus mais ilustres antecessores, se tornasse um herói para os homens da sua própria época. Quando morreu, teve um funeral digno de um príncipe e os seus restos mortais foram cultuados como os de um santo.
Mas, o que mais importa, é que, através da música, a única linguagem verdadeiramente universal, continúa a falar aos homens do nosso tempo. E a ensiná-los a encontrar, em plena dor, a "Alegria, que é a mais luminosa face da Paz".
A partitura original da 9ª Sinfonia encontra-se guardada em Berlim, na Biblioteca dos Tesouros Culturais Prussianos.
Mas é em Bonn, a cidade natal do compositor, que se sucederam as celebrações do 175º aniversário da sua morte. Uma série de homenagens e eventos culturais, que incluiram, a partir de 2002, o Festival Beethoven.
A casa em que nasceu Beethoven foi transformada em Museu, a exposição "Três Funerais e Um Óbito – O Fim de Beethoven e a Cultura da Memória no Seu Tempo". Entre as peças expostas – 120, vindas de Londres, Berlim, Viena e Kassel – encontra-se a famosa máscara mortuária em gesso, um cacho dos seus cabelos, o laudo da autópsia e a réplica do coche fúnebre que o conduziu até à sua última morada.
As sinfonias de Beethoven - principalmente as de número 3, 5 e 9 - costumam ser interpretadas pelos os analistas como versões musicais do "Fausto" de Goethe. Como a óbra do escritor alemão, elas representariam um percurso pelo inferno que caminha para uma redeção final - os movimentos luminósos e de uma grandeza eloquente, encerram essas sinfonias. Pode-se dizer que Cláudio Abbado, o grande regente de nossa era, viveu esse percurso, e o começo de sua redenção está na gravação antológica registrada em DVD.

Viajar com Claudio Abbado pelas nove sinfonias de Beethoven é uma "experiência sublime, em todos os sentidos". Não por acaso, "sublime" foi a palavra usada em 1824 para qualificar a Nona Sinfonia, desde sua estreia no dia 7 de maio em Viena. "Sublime", adjetivo que motiva as gerações futuras a conhecerem essas nove sinfonias. E cada orquestra tem, sim, a obrigação básica de executar o ciclo das nove sinfonias, ao menos a cada três ou quatro anos. De preferência, restituindo, como fez Cláudio Abbado nestes admiráveis concertos capturados ao vivo em DVDs, seu caráter "sublime”.


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