Em 64 a.C., Cícero, notável orador e político romano, embora não pertencente
à aristocracia de onde saíam os que iriam dirigir os destino de Roma,
apresentou-se como candidato ao posto de cônsul, o cargo mais importante na cena
política de Roma. Seu irmão Quintus Tullius, general e político, produziu um
memorando que denominou Pequeno Manual sobre Eleições, com o objetivo de ajudar
o candidato na campanha que se aproximava e, como tudo parecia indicar, não iria
ser nada fácil para o tribuno.
A revista Foreign Affairs publicou em maio/junho passado trechos do memorando
de Quintus Tullius, que, pela sua atualidade diante do quadro das eleições
municipais no País inteiro, tendo como pano de fundo o julgamento do mensalão,
merecem ser aqui resumidos.
Os conselhos nele contidos podem surpreender pelo cinismo e pelo pragmatismo,
mas mostram que os costumes e as práticas políticas não se modificaram
substancialmente desde esses remotos tempos romanos. Em mais de 2 mil anos nada,
ou quase, parece ter mudado. Os políticos mais experientes pouco terão a ganhar
com o manual. Os iniciantes, contudo, poderão beneficiar-se de alguma das
sugestões feitas para a conquista do sufrágio e do apoio dos eleitores.
O memorando aponta as duras e cruas realidades da política e oferece um
roteiro pragmático ao candidato. Primeiro, prestando conselho sobre como ganhar
a eleição; em seguida, analisando a natureza e a força da sua base política,
além da necessidade de dar atenção a grupos específicos; e, finalmente,
oferecendo uma série de conselhos práticos sobre como conquistar votos.
Segundo Quintus Tullius, são três as coisas que podem garantir votos numa
eleição: favores, esperança e relações pessoais. E segue dizendo ao irmão: "Você
deve trabalhar para dar esses incentivos às pessoas certas. Para ganhar os
eleitores indecisos você pode fazer-lhes pequenos favores. Com relação àqueles
em quem você desperta a esperança - uma grupo zeloso e devotado -, deve fazê-los
acreditar que estará sempre ao seu lado para ajudá-los. Deixe que eles saibam
que você está agradecido por sua lealdade e que está muito agradecido pelo que
cada um deles está fazendo por você. Em relação aos que já o conhecem, você deve
encorajá-los, adaptando a sua mensagem à circunstância de cada um e demonstrando
a maior gratidão pelo apoio de seus seguidores. Para cada um desses três grupos
de apoiadores, decida como eles podem ajudá-lo na campanha. E de que modo você
pode pedir coisas a eles. Não deixe de dar atenção a cada um individualmente, de
acordo com a sua dedicação à campanha.
Em cada vizinhança existem determinados cidadãos que exercem poder e podem
ser pessoas-chave para a campanha. É necessário distinguir esses homens daqueles
que parecem importantes, mas que não têm poder real. Reconhecer a diferença
entre as pessoas úteis e as inúteis em qualquer organização evitará que você
invista o seu tempo e recursos em pessoas que serão de pouca ajuda para
você.
O candidato deve ser um camaleão, adaptando-se a cada indivíduo que ele encontra e deve mudar sua expressão e seu discurso quando necessário.
Mantenha por perto os seus amigos. E seus inimigos mais perto ainda. Depois
de identificar quais os amigos com os quais poderá contar, dê atenção a seus
inimigos. Ha três tipos de pessoas que poderão opor-se aos seus interesses:
aquelas a quem você contrariou, as que não gostam de você e as que são amigas
próximas de seus oponentes.
Para impressionar os eleitores, dê atenção a cada um deles, sendo pessoal e
generoso. Nada impressiona mais um eleitor do que o candidato não se ter dele
esquecido. Por isso, faça um esforço para lembrar-se de seus nomes e rostos.
Faça promessas de todo o tipo. As pessoas preferem uma mentira de
conveniência a uma recusa direta. Prometa qualquer coisa a qualquer um, a menos
que uma clara obrigação ética o impeça de fazê-lo.
A campanha deve ser competente, digna, mas cheia de vida e de espetáculo, o
que tanto atrai as massas. Também não fará mal se você os lembrar de quão
desqualificados são seus oponentes, acusando-os de crimes, escândalos sexuais e
corrupção em que poderão estar envolvidos.
O mais importante numa campanha é incentivar a esperança no povo e criar nele
um sentimento de boa vontade em relação a você. Por outro lado, você não deve
fazer promessas específicas, quer para o Senado, quer para o povo. Fique em
vagas generalidades: diga ao Senado que você vai manter os privilégios e poderes
que tradicionalmente tiveram; deixe a comunidade de negócios e os mais ricos
saberem que você é favorável à estabilidade e à paz; assegure ao povo que você
sempre esteve ao seu lado, tanto em seus discursos como na defesa de seu
interesse.
Onde quer que você ande, haverá de encontrar arrogância, teimosia,
malevolência, orgulho e ódio. Não se deixe desencorajar pela conversa de
corrupção. Mesmo nas eleições mais corruptas há muitos eleitores que apoiam os
candidatos em quem eles acreditam, sem receber em troca nenhum pagamento. É
possível que seus oponentes tentem usar o suborno para ganhar o apoio dos que
estão com você. Deixe que eles saibam que você estará observando atentamente as
suas ações e os ameace com processo nos tribunais. Eles ficarão com medo de sua
influência no meio empresarial. Não será necessário levá-los aos tribunais com
acusações de corrupção; o importante é que eles saibam que você está disposto a
isso. O medo funciona melhor do que uma ação judicial. O que interessa não é o
resultado da ação dos tribunais, mas a ameaça é importante como um instrumento
para produzir o medo e a moderação dos adversários".
Cícero foi eleito...
E assim vem caminhando a humanidade.
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