Transcrevo o esplêndido artigo de MARCO ANTONIO VILLA
publicado no Globo desta terça-feira.
A presença constante no noticiário de Luís Inácio Lula da Silva impõe a
discussão sobre o papel que deveriam desempenhar os ex-presidentes. A democracia
brasileira é muito jovem. Ainda não sabemos o que fazer institucionalmente com
um ex-presidente. Dos quatros que estão vivos, somente um não tem participação
política mais ativa. O ideal seria que após o mandato cada um fosse cuidar do
seu legado. Também poderia fazer parte do Conselho da República, que foi criado
pela Constituição de 1988, mas que foi abandonado pelos governos ─ e, por
estranho que pareça, sem que ninguém reclamasse.
Exercer tão alto cargo é o ápice da carreira de qualquer brasileiro.
Continuar na arena política diminui a sua importância histórica ─ mesmo sabendo
que alguns têm estatura bem diminuta, como José Ribamar da Costa, vulgo José
Sarney, ou Fernando Collor. No caso de Lula, o que chama a atenção é que ele não
deseja simplesmente estar participando da política, o que já seria ruim. Não.
Ele quer ser o dirigente máximo, uma espécie de guia genial dos povos do século
XXI. É um misto de Moisés e Stalin, sem que tenhamos nenhum Mar Vermelho para
atravessar e muito menos vivamos sob um regime totalitário.
As reuniões nestes quase dois anos com a presidente Dilma Rousseff são, no
mínimo, constrangedoras. Lula fez questão de publicizar ao máximo todos os
encontros. É um claro sinal de interferência. E Dilma? Aceita passivamente o
jugo do seu criador. Os últimos acontecimentos envolvendo as eleições municipais
e o julgamento do mensalão reforçam a tese de que o PT criou a presidência
dupla: um, fica no Palácio do Planalto para despachar o expediente e cuidar da
máquina administrativa, funções que Dilma já desempenhava quando era responsável
pela Casa Civil; outro, permanece em São Bernardo do Campo, onde passa os dias
dedicado ao que gosta, às articulações políticas, e agindo como se ainda
estivesse no pleno gozo do cargo de presidente da República.
Lula ainda não percebeu que a presença constante no cotidiano político está,
rapidamente, desgastando o seu capital político. Até seus aliados já estão
cansados. Deve ser duro ter de achar graça das mesmas metáforas, das piadas
chulas, dos exemplos grotescos, da fala desconexa. A cada dia o seu auditório é
menor. Os comícios de São Paulo, Salvador, São Bernardo e Santo André, somados,
não reuniram mais que 6 mil pessoas. Foram demonstrações inequívocas de que ele
não mais arrebata multidões. E, em especial, o comício de Salvador é bem
ilustrativo. Foram arrebanhadas ─ como gado ─ algumas centenas de espectadores
para demonstrar apoio. Ninguém estava interessado em ouvi-lo. A indiferença era
evidente. Os “militantes” estavam com fome, queriam comer o lanche que ganharam
e receber os 25 reais de remuneração para assistir o ato ─ uma espécie de
bolsa-comício, mais uma criação do PT. Foi patético.
O ex-presidente deveria parar de usar a coação para impor a sua vontade. É
feio. Não faça isso. Veja que não pegou bem coagir: 1. Cinco partidos para
assinar uma nota defendendo-o das acusações de Marcos Valério; 2. A presidente
para que fizesse uma nota oficial somente para defendê-lo de um simples artigo
de jornal; 3. Ministros do STF antes do início do julgamento do mensalão. Só
porque os nomeou? O senhor não sabe que quem os nomeou não foi o senhor, mas o
presidente da República? O senhor já leu a Constituição?
O ex-presidente não quer admitir que seu tempo já passou. Não reconhece que,
como tudo na vida, o encanto acabou. O cansaço é geral. O que ele fala, não mais
se realiza. Perdeu os poderes que acreditava serem mágicos e não produto de uma
sociedade despolitizada, invertebrada e de um fugaz crescimento econômico. Claro
que, para uma pessoa como Lula, com um ego inflado durante décadas por pretensos
intelectuais, que o transformaram no primeiro em tudo (primeiro autêntico líder
operário, líder do primeiro partido de trabalhadores etc, etc), não deve ser
nada fácil cair na real. Mas, como diria um velho locutor esportivo, “não
adianta chorar”. Agora suas palavras são recebidas com desdém e um sorriso
irônico.
Lula foi, recentemente, chamado de deus pela então senadora Marta Suplicy.
Nem na ditadura do Estado Novo alguém teve a ousadia de dizer que Getúlio Vargas
era um deus. É desta forma que agem os aduladores do ex-presidente. E ele deve
adorar, não? Reforça o desprezo que sempre nutriu pela política. Pois, se é
deus, para que fazer política? Neste caso, com o perdão da ousadia, se ele é
deus não poderia saber das frequentes reuniões, no quarto andar do Palácio do
Planalto, entre José Dirceu e Marcos Valério?
Mas, falando sério, o tempo urge, ex-presidente. Note: “ex-presidente”. Dê um
tempo. Volte para São Bernardo e cumpra o que tinha prometido fazer e não fez.
Lembra? O senhor disse que não via a hora de voltar para casa, descansar e
organizar no domingo um churrasco reunindo os amigos. Faça isso. Deixe de se
meter em questões que não são afeitas a um ex-presidente. Dê um bom exemplo.
Pense em cuidar do seu legado, que, infelizmente para o senhor, deverá ficar
maculado para sempre pelo mensalão. E lá, do alto do seu apartamento de
cobertura, na Avenida Prestes Maia, poderá observar a sede do Sindicato dos
Metalúrgicos, onde sua história teve início. E, se o senhor me permitir um
conselho, comece a fazer um balanço sincero da sua vida política. Esqueça os
bajuladores. Coloque de lado a empáfia, a soberba. Pense em um encontro com a
verdade. Fará bem ao senhor e ao Brasil.
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