quarta-feira, 24 de julho de 2013

POR QUE O BRASIL E AGORA?

POR QUE O BRASIL E AGORA?

Tarcísio Brandão de Vilhena

Continua gerando perplexidade, dentro e fora do país, a crise repentina que eclodiu no Brasil com o surgimento de manifestações de rua, primeiro em cidades maiores, estendendo-se depois por todo o país. O dia em que 12 capitais brasileiras viraram palcos de protestos e mais de 230 mil pessoas foram às ruas pedirem mudanças no país ganhou destaque em alguns dos principais Jornais estrangeiros, como New York Times, The Guardian, Le Monde, e outros.
Estes veículos procuraram falar sobre as causas dos protestos e apontaram, quase sempre, a insatisfação com problemas sociais e com o alto custo das obras da Copa das Confederações e da Copa do Mundo. O Espanhol El país, em artigo assinado por Juan Árias, seu correspondente no Brasil, diz que "ninguém esperava que esta multidão, formada por pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais saíssem às ruas de repente para dizer: queremos mudar o Brasil! e acrescenta: os brasileiros que continuarão protestando nos próximos dias não lutam contra uma ditadura, nem contra o governo. Eles querem mais. A grande incógnita é como vão consegui-lo, quem cristalizará este protesto sem líderes”. “Se existe uma angústia difusa nas ruas, essa angústia se traduziu em um alerta que chegou ao Palácio Presidencial, onde se senta a presidente Dilma Rousseff, antiga guerrilheira e lutadora contra a ditadura militar quando tinha a idade dos que tentaram ocupar o Congresso", afirma o texto
Para alguns analistas, "está lentamente ficando claro que as massivas manifestações de rua ocorridas nos últimos tempos no Brasil, e também pelo mundo afora, expressam mais que reivindicações pontuais, como uma melhor qualidade do transporte urbano, melhor saúde, educação, saneamento, trabalho, segurança e uma repulsa à corrupção e à democracia das alianças sustentada por negociatas".
Analistas, num espécie de exercício de futurologia, chegam afirmar que fermenta algo mais profundo, quase inconsciente, mas não menos real, como, por exemplo: "o sentimento de uma ruptura generalizada, de frustração, de decepção, de erosão do sentido da vida, de angústia e medo face a uma tragédia ecológico-social que se anuncia por toda a parte e que pode pôr em risco ao futuro comum da humanidade. Podemos ser uma das últimas gerações a habitar este planeta".
De fato, é um desafio para qualquer analista interpretar esse fenômeno, de maneira a fazer justiça à sua singularidade. É o primeiro grande evento, fruto de uma nova fase da comunicação humana, a internet totalmente aberta e que possibilita, a cada cidadão, a prática de uma democracia que se expressa pelas redes sociais. Cada cidadão pode sair do anonimato, dizer sua palavra, encontrar seus interlocutores, organizar grupos e encontros, formular uma bandeira e sair à rua. De repente, formam-se redes de redes que movimentam milhares de pessoas. Esse fenômeno precisa ser analisado de forma acurada porque pode representar um salto civilizatório que definirá um rumo novo.
O movimento é composto pela juventude e outros movimentos sociais. As clássicas bandeiras do socialismo, das esquerdas, de algum partido libertador ou da revolução, foram repelidas pelas massas. Agora, o que se vê, são têmas ligados à vida concreta do cidadão: democracia participativa, trabalho para todos, direitos humanos, pessoais e sociais, presença ativa das mulheres, transparência na coisa pública, clara rejeição a todo tipo de corrupção, Ninguém se sente representado pelos poderes instituídos que geraram um mundo politico palaciano, de costas para o povo.
O que se tem visto são manifestantes cansados de uma classe política corrupta e moralmente falida, e que estenderam seus alvos para incluir a Copa do Mundo e seu principal teste, a Copa das Confederações. Os manifestantes veem estes eventos como uma chance para políticos roubarem grandes somas de dinheiro dos orçamentos generosos alocados para reformar e construir estádios para os jogos.
Por que esses movimentos de massas irromperam no Brasil somente agora? Muitas são as razões. Entendo que se trata de um efeito de saturação: o povo se cansou do tipo de política que está sendo praticada no Brasil; o povo se beneficiou dos programas da Bolsa Família, da Luz para Todos, da Minha Casa Minha Vida, do crédito consignado; ingressou na sociedade de consumo. E agora o quê?
O poeta Ricardo Retamar dizia que: “o ser humano tem duas fome: uma de pão, que é saciável e outra de beleza, que insaciável". Penso que sob beleza se entende educação, cultura, reconhecimento da dignidade humana e dos direitos pessoais e sociais como saúde com qualidade mínima e transporte menos desumano.
A segunda fome não foi atendida adequadamente pelo poder publico, e pela classe política. A fome de cultura e de participação. Avulta a consciência das profundas desigualdades sociais, que é o grande estigma da sociedade brasileira. Esse fenômeno se torna mais e mais intolerável na medida em que cresce na sociedade, a consciência de cidadania e de democracia real. Uma democracia em sociedades profundamente desiguais, como a nossa, meramente formal, praticada apenas no ato de votar que, no fundo, é o poder de poder escolher o seu “ditador” a cada quatro anos, porque o candidato, uma vez eleito, dá as costas ao povo e pratica a política palaciana dos partidos. Ela se mostra como uma farsa coletiva. Essa farsa está sendo desmascarada. As massas querem estar presentes nas decisões dos grandes projetos que as afetam e sobre os quais nunca são consultadas.
Esse Brasil que temos não é para nós, ele não nos inclui no pacto social que sempre garante a parte de leão para as elites. Querem um Brasil “brasileiro”, onde o povo conta e quer contribuir para uma refundação do país, sobre outras bases mais democrático-participativas, mais éticas e com formas menos perversas de relação social. Não será esse o pensamento das massas?



segunda-feira, 22 de abril de 2013

O PAPA FRANCISCO e os desafios com os quais ele se defronta

  
Tarcísio Brandão de Vilhena

O Imperador Constantino, quando adotou o Cristianismo como a religião oficial do Império Romano, não imaginava o mal que esta adoção iria causar à religião de Cristo. Foi o inicio do mais nefasto processo de desvirtuamento e das ideias pelas quais Cristo morreu na cruz.
Com a queda do Império Romano, os Papas tomaram para si o título que anteriormente pertencia aos imperadores romanos - Máximo Pontífice.
O que se passou nesses 2.000 anos na Igreja Católica foi a mais dominante forma de apostasia cristã do verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo e da verdadeira proclamação da Palavra de Deus.
Eugenio Pacelli, o único romano eleito papa até hoje, escolheu o nome de Pio XII para governar a Igreja como se fosse um imperador. E assim o fez entre 1939 e 1958. Antes de morrer, distribuiu títulos de nobreza a seus parentes mais próximos. Com não menos imponência, os Papas que o precederam conduziram a Igreja.
João XXIII, eleito para suceder Pio XII, assombrou a todos quando convocou o Concílio Vaticano II. Tamanho foi o espanto dos Cardeais que eles o quiseram depor. O cardeal Giuseppe Siri, que era então arcebispo de Gênova, reuniu Cardeais para estudar a possibilidade, segundo o Direito Canônico, de depor João XXIII.
Albino Luciani, ex-patriarca de Veneza, escolheu o nome de João Paulo I para governar a Igreja como o pastor que sempre procurara ser, independente de seus títulos e posição. Na tarde que antecedeu sua morte, 33 dias após a sua eleição, reuniu Cardeais da Cúria e falou sobre seus planos. Estava decidido, simplesmente, a ir morar em um bairro operário de Roma, levando com ele os Cardeais que desejassem ir. Reformaria a Cúria, organismo que administra a Igreja, e entregaria os palácios aos cuidados de uma organização internacional. Na noite daquele dia, João Paulo I foi dormir sem ver televisão, como de costume. Preferiu ler um livro. Amanheceu morto.
Em um artigo, o jornalista Ricardo Noblat narra que, no início dos anos 70, dom Hélder Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife, foi a Roma para uma audiência com o papa Paulo VI. Os dois eram amigos há mais de 20 anos.
"Santidade, posso confiar ao senhor as minhas angústias?” – perguntou dom Hélder. Paulo VI respondeu que sim.
"Santidade, por que a Igreja não volta às suas origens? Por que tantos palácios, tanta ostentação, tanta riqueza? Por que Vossa Santidade tem de viver como se fosse um rei?”
O papa ouviu calado o desabafo de dom Hélder.
“Posso lhe dar um conselho, Santidade? Não me leve a mal. Mas abandone tudo isso. Acabe com essa pompa. Entregue as riquezas da Igreja para alguma entidade administrar. Ou então venda o que deve ser vendido e reparta o dinheiro com os pobres. Vá morar modestamente numa pequena Igreja. E seja, antes de tudo, um pastor. Livre-se de tantos outros títulos que tem.”
Quando dom Hélder se calou, Paulo VI pôs as mãos dele entre as suas e respondeu, sem disfarçar a emoção:
“Como eu gostaria de poder fazer isso, dom Hélder! Como eu gostaria! Mas não posso! Não posso.”
Os dirigentes da Igreja Católica tudo têm feito para manter a Igreja ancorada na Idade Média. Por qual motivo? A resposta nos remete aos fundamentos que deram origem à Igreja de Cristo, distanciando-a da Igreja primitiva, em que todos participavam com direitos iguais e preservavam sua origem doutrinária e religiosa.
A Igreja tem medo de Cardeais jovens. A maioria dos nomeados são anciãos. Parece esquecida que Jesus era "Papa", quer dizer, profeta e evangelizador, com apenas 30 anos. E que o mataram na flor da vida. E que o poder, tanto religioso quanto civil, tombou diante dele.
A verdade assusta o poder, e assusta a Igreja, na medida em que ela - Igreja - se mescla e se confunde com o poder mundano.
Para reconduzir a Igreja às suas origens, o novo Papa se defronta com perigosos e inevitáveis desafios. Terá ele coragem de dizer "dai a Deus o que é de Deus e a Cesar o que é de Cesar”? O Banco do Vaticano e suas transações em paraísos fiscais, a lavagem de dinheiro da Máfia, e as manobras da Cúria para influenciar os parlamentos, são coisas de Cesar ou de Deus?
Será capaz de uma atitude severa contra os abusadores de crianças, ao invés de esconder ou minimizar os escândalos de pedofilia na Igreja, que segue defendendo hipocritamente o celibato obrigatório?
E, por fim, será capaz de derrubar as mesas do Templo, de expulsar dali os que fazem da Igreja um jogo de negócios, às vezes tão sujo que tem provocado suicídios e assassinatos?
O que fará Francisco, o novo Papa, quando terminar de ler a íntegra do relatório de pouco mais de 300 páginas que hoje está trancado em um cofre? Encomendado a três Cardeais por Bento XVI, o relatório informa sobre a conduta nada imaculada de religiosos pelo mundo afora.
Na verdade, os cardeais da periferia da Igreja, que são os que o elegeram Francisco, e o fizeram mais por suas características franciscanas que jesuíticas, por seu estilo de vida simples como Cardeal, sua proximidade aos mais pobres e sua forte espiritualidade para se contrapor às sujas manobras vaticanas.
O que tem marcado o novo papa Francisco, aquele “que vem do fim do mundo”, são gestos simples, populares, óbvios para quem dá valor ao bom senso comum da vida. Ele está quebrando os protocolos e mostrando que o poder é sempre uma máscara e um teatro, mesmo em se tratando de um poder pretensamente de origem divina.
Como combinar a pobreza do Nazareno aos báculos dourados e às estolas e às vestes principescas dos atuais prelados? O povo nota essa contradição. Tal aparato nada tem a ver com a tradição de Jesus e dos apóstolos.
Já foi dito que "a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Efetivamente, se alguém sempre pisa em palácios e suntuosas catedrais, acaba pensando na lógica dos palácios e das catedrais. Talvez seja esta a razão que faz Francisco, sistematicamente, recusar as opulências de seus antecessores.
Ao escolher o nome de Francisco, o cardeal Jorge Mario Bergoglio já indicou o que prevê para o futuro da Igreja "Francisco não é um nome, é todo um programa de Igreja, uma Igreja simples, sem poder, ligada aos pobres, com uma relação totalmente diferente com a natureza".
O grande teste será quem ele vai nomear secretário de Estado. Se ele mantiver o Cardeal Bertone, nada mudará, pois ele é apontado como um dos pivôs da crise interna na Igreja Católica que culminou na renúncia de Bento XVI.
Francisco atuará apenas para exorcizar as manifestações mais ostensivas do demônio, ou será capaz de surpreender o mundo, convocando um concílio para dar novo rumo à Igreja? Ou se quedará fraco e acuado até seu pontificado chegar ao fim?





domingo, 24 de março de 2013

O QUE SE ESPERA DO NOVO PAPA



Tarcísio Brandão de Vilhena

O Imperador Constantino, quando adotou o Cristianismo como a religião oficial do Império Romano, não imaginava o mal que esta adoção iria causar à religião de Cristo. Foi o inicio do mais nefasto processo de desvirtuamento e de corrupção das ideias pelas quais Cristo morreu na cruz.
Com a queda do Império Romano, os Papas tomaram para si o título que anteriormente pertencia aos imperadores romanos - Máximo Pontífice.
O que se passou nesses 2.000 anos na Igreja Católica foi a mais dominante forma de apostasia cristã do verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo e da verdadeira proclamação da Palavra de Deus.
Eugenio Pacelli, o único romano eleito papa até hoje, escolheu o nome de Pio XII para governar a Igreja como se fosse um imperador. E assim o fez entre 1939 e 1958. Antes de morrer, distribuiu títulos de nobreza a seus parentes mais próximos. Com não menos imponência, os Papas que o precederam conduziram a Igreja.
João XXIII, eleito para suceder Pio XII, assombrou a todos quando convocou o Concílio Vaticano II. Tamanho foi o espanto dos Cardeais que eles o quiseram depor. O cardeal Giuseppe Siri, que era então arcebispo de Gênova, reuniu Cardeais para estudar a possibilidade, segundo o Direito Canônico, de depor João XXIII.
Albino Luciani, ex-patriarca de Veneza, escolheu o nome de João Paulo I para governar a Igreja como o pastor que sempre procurara ser, independente de seus títulos e posição. Na tarde que antecedeu sua morte, 33 dias após a sua eleição, reuniu Cardeais da Cúria e falou sobre seus planos. Estava decidido, simplesmente, a ir morar num bairro operário de Roma, levando com ele os Cardeais que desejassem ir. Reformaria a Cúria, organismo que administra a Igreja, e entregaria os palácios aos cuidados de uma organização internacional.
Uma das freiras que sempre o acompanhavam contou que ouviu os gritos dos Cardeais trancados em uma sala com o Papa, discutindo o assunto. Na noite daquele dia, João Paulo I foi dormir sem ver televisão, como de costume. Preferiu ler um livro. Amanheceu morto.
Em um artigo, Ricardo Noblat narra que, no início dos anos 70, dom Hélder Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife, foi a Roma para uma audiência com o papa Paulo VI. Os dois eram amigos há mais de 20 anos.
"Santidade, posso confiar ao senhor as minhas angústias?” – perguntou dom Hélder. Paulo VI respondeu que sim.
"Santidade, por que a Igreja não volta às suas origens? Por que tantos palácios, tanta ostentação, tanta riqueza? Por que Vossa Santidade tem de viver como se fosse um rei?”
O papa ouviu calado o desabafo de dom Hélder.
“Posso lhe dar um conselho, Santidade? Não me leve a mal. Mas abandone tudo isso. Acabe com essa pompa. Entregue as riquezas da Igreja para alguma entidade administrar. Ou então venda o que deve ser vendido e reparta o dinheiro com os pobres. Vá morar modestamente numa pequena Igreja. E seja, antes de tudo, um pastor. Livre-se de tantos outros títulos que tem.”
Quando dom Hélder se calou, Paulo VI pôs as mãos dele entre as suas e respondeu, sem disfarçar a emoção:
“Como eu gostaria de poder fazer isso, dom Hélder! Como eu gostaria! Mas não posso! Não posso.”
Os dirigentes da Igreja Católica tudo têm feito para manter a Igreja ancorada na Idade Média. Por qual motivo? A resposta nos remete aos fundamentos que deram origem à Igreja de Cristo, distanciando-a da Igreja primitiva, em que todos participavam com direitos iguais e preservavam sua origem doutrinária e religiosa.
A Igreja tem medo de Cardeais jovens. A maioria dos nomeados são anciãos. Parece esquecida que Jesus era "Papa", quer dizer, profeta e evangelizador, com apenas 30 anos. E que o mataram na flor da vida. E que o poder, tanto religioso quanto civil, tombou diante dele.
A verdade assusta o poder, e assusta a Igreja, na medida em que ela - Igreja - se mescla e se confunde com o poder mundano.
Para reconduzir a Igreja às suas origens, o novo Papa se defronta com perigosos e inevitáveis desafios. Terá ele coragem de dizer "dai a Deus o que é de Deus e a Cesar o que é de Cesar”? O Banco do Vaticano e suas transações em paraísos fiscais, a lavagem de dinheiro da Máfia, e as manobras da Cúria para influenciar os parlamentos, são coisas de Cesar ou de Deus?
Será capaz de uma atitude severa contra os abusadores de crianças, ao invés de esconder ou minimizar os escândalos de pedofilia na Igreja, que segue defendendo hipocritamente o celibato obrigatório?
Será capaz de abrir as portas da Igreja para fiéis e infiéis, católicos ou não, de todas as tribos de fé e de ateísmo do mundo porque, como dizia Jesus, em seu Reino cabem todos e todos são igualmente dignos de ser considerados filhos de Deus? Será capaz de proclamar que todos os teólogos condenados ao ostracismo por seus antecessores, todas as vítimas da Congregação para a Doutrina da Fé estariam livres para seguir investigando com liberdade de espírito o poço inesgotável da verdade revelada?
E, por fim, será capaz de derrubar as mesas do Templo, de expulsar dali os que fazem da Igreja um jogo de negócios, às vezes tão sujo que tem provocado suicídios e assassinatos?
O que fará Francisco, o novo Papa, quando terminar de ler a íntegra do relatório de pouco mais de 300 páginas que hoje está trancado em um cofre? Encomendado a três Cardeais por Bento XVI, o relatório informa sobre a conduta nada imaculada de religiosos pelo mundo afora.
Francisco atuará apenas para exorcizar as manifestações mais ostensivas do demônio, ou será capaz de surpreender o mundo, convocando um concílio para dar novo rumo à Igreja? Ou se quedará fraco e acuado até seu pontificado chegar ao fim?




quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A Renúncia de Bento XVI e os caminhos da Igreja Católica

Tarcísio Brandão de Vilhena

 
São vários os comentários e especulações sobre a renúncia de Bento XVI e o novo Papa a ser eleito. Artigo de um teólogo intitulado: “A Igreja muda ou acaba”, é uma constatação de quem tem conhecimento e autoridade para dizê-lo. O artigo ainda diz que a atual estrutura do catolicismo constitui uma traição à igreja primitiva em que todos participavam com direitos iguais.

O que caracteriza a Igreja Católica é o poder. Desde o período feudal que a Igreja Católica se despontou como grande proprietária de terras, acúmulo de riquezas e concentração de enorme poder. O comando dessa estrutura, fortemente hierarquizada, ao estilo monárquico, concentra-se na mão do Bispo de Roma, o Papa. Com o passar do tempo, a Igreja Católica foi se vinculando cada vez mais às coisas temporais afastando-se de sua origem doutrinária e religiosa. Aqueles que se opunham à Igreja, pela concentração de poderes materiais e não se submetiam à autoridade do Papa, os chamados hereges, foram combatidos com extrema violência pela Igreja Católica e, após a organização do Tribunal do Santo Ofício, no século XII, o julgamento chamava-se Inquisição do Santo Ofício. Milhares de pessoas foram condenadas e executadas pelos tribunais da Inquisição, queimadas vivas.

No século XVI houve um enorme movimento dentro da comunidade Católica, contra a interferência da Igreja Católica no mundo material, e a criação de dogmas, regras e disciplinas, unicamente para manter o poder temporal e estendê-lo às pessoas. Desse movimento originou a Reforma Protestante, preconizada por um frade Agostiniano, Martinho Lutero e pelo pregador Calvino. Foi um protesto contra os abusos, as atrocidades e os desmando da Igreja Católica.

David Yallop em seu livro "Poder e Glória", narra: “a Igreja que João Paulo I herdou havia há muito se distanciado da Igreja de Cristo. O Vaticano controlava uma riqueza imensa. Erigida sobre privilégios especiais a riqueza do Vaticano era ocultada por um sistema de contabilidade antiquado e obscuro, ferozmente negada por seus porta-vozes. Em 1970 uma estimativa suíça, colocou o capital produtivo do Vaticano em 13 bilhões de dólares, excluindo-se os vastos bens globais de propriedade do Banco do Vaticano”.

Ainda segundo o livro, acordos secretos como o que foi celebrado em 1933 com Hitler no qual a Alemanha nazista repassava ao Vaticano mensalmente uma soma em dinheiro, o chamado “imposto da Igreja”, demonstra o ambiente político da cúpula da Igreja. Evidente que foi um acordo bilateral. Hitler, um ateu confesso, não seria capaz de tamanha generosidade.

João Paulo I cujo pontificado foi de apenas 33 dias, muitos sustentam que ele foi assassinado. É fato que ele tocou numa ferida perigosa: tentou por fim a cobiça da Igreja católica pelo poder temporal, e aos escândalos envolvendo o Banco do Vaticano e o Bispo Paul Marcinkus.

Ele protagonizou o maior escândalo financeiro da história do Vaticano: a quebra do Banco Ambrosiano de Milão, ocorrida em agosto de 1982, quando o banco foi declarado insolvente pelo governo italiano, após ter sido descoberto um “rombo” de cerca de US$ 1,5 bilhão. O Vaticano possuía 16% do capital do Ambrosiano.

As investigações da falência do banco trouxeram à tona entre outras operações nebulosas, pagamentos obscuros à loja maçônica P-2, aparentemente, desvio de fundos para uso particular e ligações com a Máfia. Foram acusados formalmente Marcinkus e dois administradores, Luigi Mennini e Pellegrino Strobel.

O Vaticano deu asilo ao arcebispo Marcinkus e seus dois colaboradores, para impedir sua prisão.

O Tribunal Supremo da Itália defendeu a impossibilidade de processar o arcebispo e os dois funcionários, em virtude do Pacto Lateranense, (Tratado de Latrão celebrado em 1929, que criou o Estado do Vaticano) que em seu artigo 11 prevê que “os entes centrais da Igreja Católica estão isentos de qualquer ingerência por parte do Estado italiano”.

O Vaticano gastou cerca de US$ 100 milhões, em 1983, para ressarcir os clientes do Ambrosiano, gesto que foi interpretado pela imprensa italiana como uma confissão de responsabilidade na quebra do banco. Mais tarde, o Vaticano criou mecanismos de controle para impedir casos como esse.

Dois meses antes da declaração de quebra do banco, em 16 de junho de 1982 o corpo do presidente do Ambrosiano, Roberto Calvi, que havia fugido para Inglaterra, tinha sido encontrado enforcado sob uma ponte de Londres, no que, aparentemente, foi um suicídio. Entretanto, em 1998, o corpo foi exumado para perícia e, em 2002, “uma equipe de médicos forenses encabeçados pelo professor alemão Bernd Brinckman disse que Calvi foi assassinado em um terreno baldio perto da ponte, onde foi pendurado para simular um suicídio”.

Em 1984, Marcinkus foi nomeado como um possível cúmplice no suposto assassinato do Papa João Paulo I pelo jornalista investigativo David Yallop em seu livro Em Nome de Deus. Yallop fez acusações a respeito de um número de suspeitos associados às relações de Marcinkus com negócios escusos e envolvimento com membros da máfia e o  Banco do Vaticano, afirmando ainda que Marcinkus pode enfrentar exposição penal, ele deve ser removido de sua posição no banco.

De fato, Marcinkus, foi demitido e enviado para a Arquidiocese de Chicago em 1990 antes de se retirar para o Arizona, onde viveu como um pároco assistente até a sua morte. Assim, aos 84 anos Paul Marcinkus foi para seu túmulo com seus segredos intactos. Provavelmente, nunca serão revelados.

O Papa ao renunciar abre caminho para uma reforma radical na Igreja católica. É sintomático quando ele diz: “Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve”. Com a sua renúncia caem aqueles que tornaram o Vaticano ingovernável: a voracidade da Cúria Romana. A renúncia do papa sinaliza um futuro nada promissor para uma estrutura fortemente construída, mas que vem se deteriorando ao longo do tempo, ensejando a sua decomposição por ela mesmo, em decorrência de uma rede de intrigas, conspirações e disputas pelo poder.

O Sacro Colégio de Cardeais quando reunido para escolher o novo Papa, tanto o Colégio Cardinalício como o novo Papa, terão pela frente vários desafios e muito que decidir. O momento é propício para estabelecer os novos rumos da Igreja: manter esta Igreja centralizada, controlada pela Cúria Romana, corrompida, adulterada e ostensivamente apegada às coisas temporais; ou promover o retorno às origens doutrinárias e religiosas: a Igreja de Cristo.

O celibato sacerdotal é outra questão que prioriza decisão firme, sem protelação. A comunidade católica e a sociedade em geral, não toleram mais meias medidas protagonizadas pelos acordos milionários para acobertar padres pedófilos ou ouras perversões sexuais, como o homossexualismo. É sabido que todos esses desvios e perversões decorrem da proibição imposta ao exercício do sacerdócio pelo celibato.

A mensagem de Bento XVI, direta e sem concessões, tem repercutido com força surpreendente. Não seria este o momento de reflexão? Nada justifica no mundo atual, a existência dessa estrutura, centralizada, fortemente hierarquizada e corrompida pela disputa do poder. Essa nefasta hierarquia em nada favorece o exercício da fé cristã e ainda causa indignação aos católicos pelos desmandos que se sucedem.

O Jornal Italiano, La República na edição de 21/02, denunciou que Bento XVI antes de abandonar o trono de São Pedro, deixando-o vacante até o fim do conclave, o Papa Bento XVI pretende se reunir com os 116 cardeais que elegerão seu sucessor para expor as conclusões do inquérito sobre o escândalo Vatileaks. O documento de 300 páginas - dividido em dois capítulos e escrito pelos cardeais Julian Herranz, Jozef Tomko e Salvatore De Giorgi - traria revelações bombásticas sobre a cúria romana, que incluiriam uma rede de agenciamento de encontros homossexuais, além da existência de grupos de pressão especializados em montar e desmontar carreiras dentro da Santa Sé e em desviar recursos multimilionários do Banco do Vaticano para usufruto próprio. 

O Arcebispo emérito de Aveiro, Portugal, Dom Antonio Marcelino que já presidiu à Conferência Episcopal Portuguesa, não tem dúvidas: "apesar de ter conseguido algumas reformas significativas, o papa sentiu-se impotente ante os conflitos, manobras e até traições, que se foram levantando a seus olhos, a ponto de tolherem o seu caminho". Ainda denuncia um centralismo controlador da Cúria Romana, que até condiciona o trabalho dos bispos nos diversos países; As conferências episcopais nunca foram queridas nem amadas pelos poderosos da Cúria, afirma o prelado.

Hoje, o que existe, são duas Igrejas: a fundada Jesus Cristo, e uma outra controlada pela Cúria Romana, corrompida, adulterada e ostensivamente apegada às coisas temporais.
O novo Papa deve retomar o papel de líder espiritual e renunciar o de chefe de Estado. O ambiente político contamina a Igreja.

Bento XVI desnuda a inconsistência das esperanças materialistas e faz uma crítica serena, mas profunda, dos caminhos da Igreja. 

Ainda Cardeal Raitzinger, falando durante uma série de meditações na Via Sacra de sexta-feira santa dizia: "quanta sujeira há na igreja, e mesmo entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer inteiramente a Cristo”. “Muita, Santo Padre, muita mesmo! Deus ajude a Igreja Católica Apostólica Romana”.

 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

OS REPUBLICANOS HISTÓRICOS CAMPANHENSES



Tarcísio Brandão de Vilhena

Na História do Brasil, dá-se o nome de republicanas históricos às personagens que tinham aderido à causa republicana, desde antes da proclamação da República. Entre estes, incluem-se os signatários do Manifesto Republicano de 1870, os abolicionistas que também faziam campanha pela república e os demais partidários e membros dos Clubes Republicanos, nas diversas províncias do Império antes do golpe de 15 de novembro de 1889, que proclamou a República.

Em Minas, não houve campanha expressiva, antes do manifesto de 1870, o que pode ser justificado pelo estado de decadência urbana ocorrida na Província desde a devassa da Inconfidência Mineira, cuja repressão visou também inibir as ideias republicanas, obrigando os mineiros a se refugiarem no silêncio. A rebelião liberal de 1842, embora liderada por um republicano convicto como Teófilo Otoni, não oportunizou a tendência republicana. O presidente rebelado da Província, Barão de Cocais, não permitiu a inserção de tal tendência no referido movimento. Mesmo que a punição aos revoltosos de 1842 tenha sido suave e condescendente, ela refletiu sobre Minas, de forma duradoura, os prejuízos morais da derrota. O partido liberal não conseguia se impor junto ao eleitorado, sempre vencido e encurralado pelos conservadores.

Ainda assim, antes do manifesto de 1870, alguns centros urbanos mineiros se despontaram com relativo progresso, a exemplo de Juiz de Fora, Diamantina e Campanha, e tiveram oportunidade de expressar ideias republicanas por oposição ao regime monárquico brasileiro.

De fato, em 1870, republicanos Campanhenses, liderados pelo Cel. Marthiniano dos Reis Brandão já defendiam os princípios e os ideais republicanos e federativos, não só em Campanha, mas em toda a região Sul Mineira. Naquele ano, ainda sob a liderança de Marthiniano, surge em Campanha o Clube Republicano, tendo a sua frente ilustres Campanhenses cultos, idealistas e independentes, dentre os quais se destacavam o médico Dr. Francisco Honório Ferreira Brandão, filho do Cel. Martiniano, o jornalista Manoel de Oliveira Andrade, o cidadão Domingos Honório Lopes de Araújo, o Cel. Saturnino de Oliveira, o Dr. Bráulio Lion, o Cel. Marcos Coelho Neto, o Dr. João Bráulio Moinhos de Vilhena Jr., o Prof. Jonas Olinto, o Dr. José Braz Cezarino, o parlamentar Alexandre Stóckler Pinto de Menezes, o Dr. Joaquim Leonel de Rezende Alvim, o Dr. Antonio Xavier Lisboa, Pe. Francisco de Paula de Araújo Lobato, Francisco Bressane de Azevedo, o Dr. Eustáquio Garção Stockler e outros.

As reuniões do Clube Republicano eram realizadas na residência do Cel. Marthinano. Esta residência ele a adquiriu na condição de genro do Comendador Paula Ferreira, o proprietário. Marthiniano era casado com uma de suas filhas, Anna Alexandrina Ferreira Brandão, e adquiriu as partes dos demais herdeiros. Esta magnifica edificação abrigou a Escola Normal, a Prefeitura e, por último, a Faculdades Integradas Paiva de Vilhena. Lamentavelmente, foi consumida por incêndio.

Em 1880, regressa à Campanha, graduado em Farmácia, o Sr. Zoroastro de Oliveira, filho de Saturnino de Oliveira, que passa integrar o Clube Republicano, sendo escolhido, por seus pares, para ocupar o cargo de secretário do Clube. Neste mesmo ano, o clube se reúne para escolher o nome de um dos integrantes para concorrer às eleições senatorias da Província, a serem realizadas em 27 de maio. A escolha recai no Dr. Francisco Honório Ferreira Brandão.

Transcorrida a eleição, foram eleitos: o médico Campanhense Dr. Francisco Honório Ferreira Brandão, pela região Sul Mineira; Dr. João Nogueira Penido, médico de Juiz de Fora; região da Mata Mineira, Dr. Joaquim Felício dos Santos, advogado em Diamantina, pela região Norte.

Um ano antes da proclamação da República, no dia 4 de junto de 1888, cria-se em Minas Gerais o Partido Republicano Mineiro - o PRM, com objetivo de representar as ideias republicanas aos oligárquicos da elite agrária do Estado de Minas Gerais. Neste mesmo ano, funda-se na Campanha, sede administrativa da região Sul Mineira, o diretório regional do Partido Republicano Mineiro, presidido pelo o médico Dr. Francisco Honório Ferreira Brandão.

A noticia da Proclamação da República pelo o Marechal Deodoro da Fonseca foi dada aos republicanos campanheses pelo parlamentar Dr. Stockler Pindo de Menezes, campanhense residente no Rio de Janeiro. No dia 17 de novembro de 1889, mais de cem eleitores republicanos reunidos na residência do Coronel Marthiniano, todos filiados ao PRM, sob a presidência do Dr. Francisco Honório Ferreira Brandão, decidiram lavrar uma Ata, na qual se declaravam solidários à proclamação da república e ao governo provisório, instalado após a proclamação. Excluindo Ouro Preto, capital da Província, Campanha foi a primeira cidade mineira a manifestar seu júbilo e seu decidido apoio à República Brasileira.

Desgostoso com o baixo nível e com a vileza dos adversários políticos contra a sua pessoa, Dr. Brandão deixa Campanha e muda-se para o Rio. Nunca mais voltou à cidade. Assume a presidência do partido o Cel. Saturnino de Oliveira. Após o seu falecimento, seu filho, Cel. Zoroastro de Oliveira, passa presidir o partido. Em 1927, Zoroastro abandona a vida pública e entrega a direção do partido para seu irmão, o médico Dr. Jefferson de Oliveira. Em 1929, Jefferson é eleito deputado federal. O vereador Dr. Serafim Maria Paiva de Vilhena passa ocupar a presidência da Câmara e, por consequência, torna-se o Agente Executivo do município e presidente do partido. Com a revolução de 1930, os partidos políticos são todos dissolvidos, dando inicio à nova república, liderada pela Frente Liberal.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Paixão segundo São Mateus


A Paixão Segundo São Mateus é considerada a maior óbra de BACH e para muitos, o principio e o fim de toda música. Sempre que a escuto, me vem à memória as aulas de musica que tive com o saudoso maestro Sérgio Magnani, quando dizia da importância de Bach para música em geral. Esta portentosa óbra tornou-se acessível depois do advento do disco de longa duração o ja superado LP.
É uma óbra densa, cujo conteúdo poético e dramático, revela toda a sua complexidade e a intransponível dificuldade técnica e principalmente estilistica na sua execução; poucos são os tenores que podem interpretar com propriedade o evangelista Mateus.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

As ruas da Campanha



Tarcísio Brandão de Vilhena

Situada entre morros e montanhas, no Vale da Piedade, a quase tricentenária cidade de Campanha é um verdadeiro "recanto abençoado, que resume toda a brasilidade de raiz que todos procuramos". Essa originalidade, que vem de um verdadeiro pedaço das Minas Gerais e do Brasil, só se conhece indo a Campanha.

Há geografias que se pisam e outras que se sentem, sendo essa geografia afetiva a que guia nossos desejos e nossas descobertas.

Tal qual o corpo, a cidade também se escreve, e se inscreve, em nós. Andar por suas ruas, quer de maneira apressada, quer de maneira irresponsável, desobrigação contemplativa, aguça-nos os olhares e a memória, revela-nos surpresas, suspiros e dissabores, talvez. O ponto de partida, a página que, por vezes, perdemos, apagamos da memória, pode ser uma rua da infância, passeios familiares ou outro local. Seja como for, é nas imagens e em outras reminiscências, que nos lembramos de um passado, quase sempre, distante.

Porém, a geografia a que nos referimos, mais do que física, está expressa e sentida na alma de cada um de nós.

Assim, as ruas de Campanha desenham também outros contornos, avessos às suas identidades; traçados que nos guiam a outros destinos, e que só os alcançaremos através de uma memória afetiva.

O Morro do Claudionor, de onde se percebe o Vale da Piedade, a partir do qual a cidade se desenvolveu, mais ao longe a Serra das Águas e o morro do Coroado, enfeitam esse cenário de ruas da cidade de Campanha.

As ruas têm nomes, mas não é o nome que as distingue. O que as diferencia de forma muito mais marcante é o “clima”, as feições que cada uma das ruas pelas quais se passa, principalmente, na infância e na juventude, e que se espalham, para sempre, em detalhes e decorrentes lembranças.

As ruas nos deixam como herança seu próprio ritmo, no compasso dos nossos passos, das brincadeiras de fim de tarde nas suas calçadas sossegadas, dos olhares trocados em silêncio com aquela menina bonita que morava na outra rua.

Deve ter sido por essas e por outras que Mario Quintana celebrizou seu poema “mapa da cidade”, falando das ruas “que não andei (e há uma rua encantada que nem em sonhos sonhei...)”. Pois, o mapa de cada cidade é delineado pelas veias e artérias que as ruas desenham em seu contexto e muitas delas escapam por vertentes e deságuam em território ignorado.

No entanto, aquelas ruas que compõem os nossos trajetos possuem papel destacado no relato do que já vivemos.

Afora isso, nos tornamos íntimos ao nos referirmos às ruas. Citamo-las pelos nomes de batismo como se fossem personagens da nossa família: rua Direita, rua do Bonde, rua do Fogo, rua da Forca, e assim por diante. Intimismo que as ruas proporcionam pela singularidade de estarem inseridas no cotidiano de todos como parte integrante da paisagem.

E de lembrança em lembrança, ao me debruçar sobre o teclado do computador para redigir essa crônica, vi desfilarem frente aos meus olhos algumas ruas especiais. Ruas de Campanha e de outros tantos lugares em que morei.

As preferidas, entretanto, continuam sendo aquelas da infância, onde brinquei. Porém, me permito destacar outras tantas de outras épocas que, também, me encantaram, e que, ainda, continuam a caminhar comigo, como a rua Alice, no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, que traz à memória momentos alegres e inesquecíveis.

De passos é feita a caminhada, e por entre as ruas que passamos ecoam os sons das engrenagens de que é feita a história de vida de cada um, em que há sempre uma rua a assinalar o melhor momento e a eleger a mais expressiva recordação.