Tarcísio Brandão de
Vilhena
Situada entre
morros e montanhas, no Vale da Piedade, a quase tricentenária cidade de Campanha
é um verdadeiro "recanto abençoado, que resume toda a brasilidade de raiz que
todos procuramos". Essa originalidade, que vem de um verdadeiro pedaço das Minas
Gerais e do Brasil, só se conhece indo a Campanha.
Há geografias que
se pisam e outras que se sentem, sendo essa geografia afetiva a que guia nossos
desejos e nossas descobertas.
Tal qual o corpo,
a cidade também se escreve, e se inscreve, em nós. Andar por suas ruas, quer de
maneira apressada, quer de maneira irresponsável, desobrigação contemplativa,
aguça-nos os olhares e a memória, revela-nos surpresas, suspiros e dissabores,
talvez. O ponto de partida, a página que, por vezes, perdemos, apagamos da
memória, pode ser uma rua da infância, passeios familiares ou outro local. Seja
como for, é nas imagens e em outras reminiscências, que nos lembramos de um
passado, quase sempre, distante.
Porém, a
geografia a que nos referimos, mais do que física, está expressa e sentida na
alma de cada um de nós.
Assim, as ruas de
Campanha desenham também outros contornos, avessos às suas identidades; traçados
que nos guiam a outros destinos, e que só os alcançaremos através de uma memória
afetiva.
O Morro do
Claudionor, de onde se percebe o Vale da Piedade, a partir do qual a cidade se
desenvolveu, mais ao longe a Serra das Águas e o morro do Coroado, enfeitam esse
cenário de ruas da cidade de Campanha.
As ruas têm
nomes, mas não é o nome que as distingue. O que as diferencia de forma muito
mais marcante é o “clima”, as feições que cada uma das ruas pelas quais se
passa, principalmente, na infância e na juventude, e que se espalham, para
sempre, em detalhes e decorrentes lembranças.
As ruas nos
deixam como herança seu próprio ritmo, no compasso dos nossos passos, das
brincadeiras de fim de tarde nas suas calçadas sossegadas, dos olhares trocados
em silêncio com aquela menina bonita que morava na outra rua.
Deve ter sido
por essas e por outras que Mario Quintana celebrizou seu poema “mapa da cidade”,
falando das ruas “que não andei (e há uma rua encantada que nem em sonhos
sonhei...)”. Pois, o mapa de cada cidade é delineado pelas veias e artérias que
as ruas desenham em seu contexto e muitas delas escapam por vertentes e deságuam
em território ignorado.
No entanto,
aquelas ruas que compõem os nossos trajetos possuem papel destacado no relato do
que já vivemos.
Afora isso, nos
tornamos íntimos ao nos referirmos às ruas. Citamo-las pelos nomes de batismo
como se fossem personagens da nossa família: rua Direita, rua do Bonde, rua do
Fogo, rua da Forca, e assim por diante. Intimismo que as ruas proporcionam pela
singularidade de estarem inseridas no cotidiano de todos como parte integrante
da paisagem.
E de lembrança
em lembrança, ao me debruçar sobre o teclado do computador para redigir essa
crônica, vi desfilarem frente aos meus olhos algumas ruas especiais. Ruas de
Campanha e de outros tantos lugares em que morei.
As preferidas,
entretanto, continuam sendo aquelas da infância, onde brinquei. Porém, me
permito destacar outras tantas de outras épocas que, também, me encantaram, e
que, ainda, continuam a caminhar comigo, como a rua Alice, no bairro das
Laranjeiras, no Rio de Janeiro, que traz à memória momentos alegres e
inesquecíveis.
De passos é
feita a caminhada, e por entre as ruas que passamos ecoam os sons das
engrenagens de que é feita a história de vida de cada um, em que há sempre uma
rua a assinalar o melhor momento e a eleger a mais expressiva
recordação.
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